MINHA JORNADA DE MOÇAMBIQUE AO SUDÃO
Meu nome é Durival Simões e nasci na cidade da Beira em Moçambique.
Toda a minha escolaridade foi feita na Beira, aonde frequentei os Colégios da Nossa Senhora dos Anjos (Mameres), o de Luís de Camões, o dos Maristas e o Liceu Pêro de Anaia.
Sempre gostei de deportos e a vida ao ar livre, típico de todos aqueles que cresceram nessa Cidade Mágica, a Beira.A ginástica, a natação, o voleibol, a caça e a pesca e várias motos, meu meio de transporte favorito até aos meus 35 anos, foram os desportos que mais marcaram a minha juventude.

A minha 1ª moto; Uma Honda de 50cc

A minha 2ª moto foi uma Bultaco Matador MK V, usada em camping e praia.

A minha 3ª moto foi uma Gold Wing 1000 e esta sim que foi feita para viajar!
Sempre fui incorporado nas equipas de representação de ginástica em todas as escolas que frequentei e na natação era o “Campeão da Minha Rua” como o meu último professor/instrutor (Dr. José Sacadura) me chamou um dia, numa tentativa para me incitar a melhorar os meus tempos, que efetivamente eram os recordes Provinciais, ou até mesmo Nacionais, na categoria de Júnior, de 59 seg./100 metros em estilo livre. Isto será mais fácil de compreender, se acrescentar, que desde que nasci até ao dia de sair de Moçambique, já com 19 anos de idade, sempre vivi a menos de 100 metros duma praia considerada pelas autoridades, de “Perigosa”.
Reconheço que, entre estes meus desportos preferidos, a caça sempre ocupou um lugar muito especial, talvez por ter sido introduzido nela desde muito miúdo e influenciado pela profissão do meu pai, mas não só, pois todos os meus amigos também a praticavam intensamente e vários deles, um dia como eu, tornaram-se Caçadores Guias Profissionais.


O meu irmão Manuel e eu numa das nossas caçadas
Desde criança e durante toda a minha juventude vivi rodeado de animais que o meu pai trazia de vez em quando para casa. Leões, Leopardos, Baualas, Cabritos Duiker, manguços, Bush babies, etc., e todos os tipos de aves, desde os grandes Marabus, cegonhas, galinhas do mato e algum tipo de águias, aos mais pequenos periquitos, beija-flores, etc., chegando mesmo a criar uma companhia de captura de aves, que exportava para diferentes partes do Mundo.

A nossa tia Emília e os nossos três leões

A minha avó Lurdes com um Leopardo
Durante grande parte de todas as minhas férias passava-as nos acampamentos de caça do meu pai, que me deixava várias vezes acompanha-lo durante os seus safaris, ou ficando no acampamento ao cuidado dos seus homens, ia aprendendo com outras crianças artes de captura de pássaros, ginetas, etc., ou até mesmo caçando com uma arma de calibre 22 LR e uma caçadeira 410 uns cabritos Duiker, Bushbuck e todo o tipo de pássaros, que viviam à volta dos acampamentos.

Acompanhando-os no safari do Lucas Oriol

O filho do Ranguisse, um dos mestres do meu pai, era um dos meus mestres de ratoeiras de pássaros
Meu pai deixava-me algumas vezes atirar aos animais que os seus clientes me queriam oferecer, talvez surpreendidos com o que eu lhes contava sobre a caça e quisessem comprovar que não era só teoria adquirida na caça menor.


…. E com o passar do tempo também me permitia caçar um ou outro animal mais importante, ou perigoso, porém nunca chegando a incitar-me a caçar aqueles de maior valia, pelo menos nas nossas listas de preços da caça, como o Elefante, Leão, Leopardo, Nyala, Kudo, etc.,

Este talvez tenha sido o meu 1º Búfalo
Quando em 1973 ele se transladava para Angola, deixara em Moçambique um dos seus Land Cruiser e autorização para que eu o pudesse usar em umas caçadas à residente e foi quando eu descobri e experimentei a verdadeira magia da caça em relação ao convívio, amizade, camaradagem, solidariedade e dar chance a quem está de turno, quando pude desfrutar deste desporto com alguns dos meus amigos que antes já competiam comigo na caça menor.


Amigos de grandes caçadas; Fernando Carvalho (viria a ser caçador guia), Nini Jardim e o Rogério Carvalho
Por altura de terminar o meu 5º ano do Liceu Pêro de Anaia, acontecia o 25 de Abril de 1974 (a famosa Revolução dos Cravos) e tudo iria mudar as nossas vidas, como fechar todos os livros que nos interessavam e abrir outro que nunca tínhamos ouvido falar… Política, politização e mais política…
Confusão geral em todo o País. Escolas meias fechadas, professores perdiam a autoridade e tínhamos que nos habituar à ideia de sermos governados por um sistema comunista. Boas perspetivas!?… De uma ditadura a que estávamos habituados, para outra, que tínhamos sido educados a repudiar e queriam-nos contentes, cantando e rindo!
Como meu pai já tinha transladado a sua operação de caça para Angola em 1973, devido a um ataque, que um dos acampamentos de caça de um dos caçadores que com ele cooperava tinha sofrido e acabava queimado, convidava-me para ir com ele para Angola, aonde se considerava poder haver um futuro mais prometedor por haverem três e não um, movimentos de libertação com ideologias bem diferentes e aonde me dizia que me podia conseguir uma licença de caçador guia profissional.
Nada nessa altura me soava melhor nos ouvidos. Sempre que me encontrava de férias escolares nos acampamentos do meu pai, o meu herói era “Tarzan”.
Corria como as gazelas, nadava como os crocodilos e com apenas um punhal e um grito podia matar qualquer besta que lhe atulhasse o passo… e o que ele me propunha parecia-me quase isso. Caçar durante os seis meses que duram as épocas de caça e durante outros seis conviver com a “jet” de cada um dos povos do Mundo, que sempre foram quem pode caçar.
Bom, isto era o que eu queria pensar, pois na realidade a minha vida profissional não teria nada que ver com a banda desenhada, pois dar continuação digna a tudo aquilo que o meu pai já tinha feito dentro deste mundo da caça, era como missão impossível… mas eu já sabia caçar e até conseguiria guiar.
Foi em Abril de 1975 em Luanda (Angola) aonde me passaram a minha primeira licença de Caçador Guia Profissional.
Agora, que já era guia profissional, o meu pai decidiu que eu iria aprender algumas coisas mais, que as que ele naturalmente me tinha ensinado e seria acompanhando vários colegas durante os seus safaris.
Quando lhe perguntei o que podiam eles ensinar-me que ele ainda não tivesse feito, ele respondia-me “ … aprender o que não deves fazer” e isso ainda hoje vou fazendo, quando por alguma razão tenho de me pendurar no carro doutro profissional e estou certo que eles também aprendem outras tantas quando se penduram no meu, pois assim é a essência da caça. Cada um tem a sua maneira de caçar e todos fazemos alguma coisa que não devíamos.
Ainda antes de me enviar no carro de outros profissionais, deixou-me caçar um leão a só, como experiência prática da caça a esses felinos, que sempre são animais difíceis de caçar, quer pela sua astúcia ou hábitos noturnos.
Nessa altura, estavam no Luengue dois jovens italianos que também queriam tornar-se caçadores guias profissionais e que me pediram se me podiam acompanhar.
Posemos um pare de carnadas em umas passagens por onde sempre havia certo movimento de leões e no dia seguinte só nos restava passar por elas e ver o que tinha acontecido na noite anterior.
Era típico nesta área do Luengue, que o leão uma vez que entendesse que era por ele que íamos, carregar, até mesmo que fosse um carro, pois a área é composta de uma vegetação bastante aberta e querendo pode-se passar de carro por qualquer sítio.
Acabamos por encontrar um grupo ainda antes de termos chegado às carnadas que tínhamos colocado e decidimos aproximarmo-nos a pé.
Costuma-se dizer, que muitos cozinheiros a prepararem a mesma comida, estragam-na e assim aconteceu.
Cada um de nós a mostrar aos outros a coragem que tinha, provocamos uma carga de uma das leoas que compunha o grupo, possivelmente só para nos intimidar, mas isso eu ainda não sabia julgar bem e para cúmulo, um dos italianos, pisando nesse momento uma parte de terreno aonde “Bee Eaters” (espécie de pequenos Gaios vermelhos) tinham edificado os seus ninhos por baixo da areia (o que é típico) e ao afundar-se quando o terreno cedeu debaixo do seus pés, provocou um ruído que me fez pensar que tinha sido feito pela leoa, que então estaria mais perto do que eu me tinha proposto deixa-la aproximar-se.

Disparei de imediato ao que me parecia ser ela no meio dumas palhas e nem mais um pio, como sempre acontece na caça, quando se comete erros de julgamento. Nunca se falha, para em seguida darmo-nos conta do erro que cometemos.

O meu 1º e único Leão; uma leoa. O meu irmão Japão consolando-me dizia que leão é leão!
O meu primeiro cliente seria um americano chamado Siemes, que tinha iniciado o seu safari com o meu colega Luís Mena, que apanhando um ataque de malária não poderia continuar a caçar.

Não terei batido nenhum recorde, mas o importante foi que o Sr. Siemes e sua senhora, que estreavam África, saíam de Angola suficientemente contentes para que o meu pai me confiasse outro safari e a seguir seria um pare de caçadores. Sr. Roger Wallace II e seu filho Wallace III.

R. Wallace II com um magnífico Roan de 30"
Neste, que foram realmente os meus primeiros clientes, também estreando África, sim que havia particularidades que mostravam que eu podia conduzir safaris tão bem como qualquer dos meus colegas.
Caçaram os dois, para além de todos os antílopes que a área do Luengue oferecia, que não eram poucos, muito bons Sables, Roan, Búfalo e o pai Wallace um Eland, que era considerado a espécie mais difícil de se conseguir caçar por estas paragens.


Este seria um dos últimos safaris em Angola, depois dos três movimentos de libertação, (MPLA, FNLA e UNITA) que já nesta altura formavam o governo de transição, terem iniciado uma guerra civil entre eles, tornando assim impossível a chegada dos próximos clientes, que com certeza viajavam com as suas respetivas armas e equipamento de caça, coisas que logicamente não eram bem-vindas.
Como ainda nos encontrávamos a meio da época de caça, o meu pai autorizou-nos a caçar dois elefantes a cada um dos seus empregados, como para compensar-nos dos salários que a partir daí não lhe seria possível pagar-nos.

Foi nesta altura que eu tive a oportunidade de caçar o meu primeiro elefante para mim mesmo, ainda que estivesse acompanhado de outros dois profissionais, o Luís Mena e o Armando Borges, que tinham comigo formado uma equipa, para se caçarem os nossos elefantes, os do Manuel Figueira, do Galvão e Manuel Silva, os quais preferiram ficar a descansar no acampamento.
Tínhamos 12 elefantes para caçar e acabamos por caçar dezassete. Coisas que acontecem, quando num grupo como o nosso, há algum elemento que não se sabe comportar em situações como esta, num País sem lei nem ordem. Desculpando-me só digo, eu tinha 20 anos, eles 50.
Permaneceríamos na área até finais de Novembro, celebrando assim a Independência do País num “Fly Camp” improvisado em qualquer lugar, com sinais da presença de elefantes.
Quando chegámos ao Rundo, vendemos esse marfim e com a parte que me tocava comprei a que viria a ser a minha última moto; uma Honda Gold Wing, que nessa altura era a maior e mais revolucionária moto do mercado, com quatro cilindros horizontais, veio de transmissão e a primeira com radiador de água e três travões de disco.
Com esta moto, aparte da minha viajem feita com ela de Johannesburg (Africa do Sul) a Salisbury (Ex Rhodesia) e volta, aonde a despachei de avião para Portugal, também fiz cinco mil quilómetros à volta de Espanha, acompanhado do meu amigo Fernando Carvalho (o Fafato, como todos o conhecem) e antes de regressarmos a Portugal, passaríamos por Ceuta, Tânger, Marraquexe e Casa Blanca em Marrocos.
Depois da minha segunda temporada de caça no Sudão, numa segunda viajem, atravessando todo o Norte de Espanha, entrava em França e atravessando-a de Oeste a Este até à Bélgica aonde por Ferry passava para o Reino Unido e até Londres.
De regresso pelo ferry de Calai, cortava França de Norte a Sul, passando por Paris, Leon, Toulouse e Le Main, regressando a Portugal pelo Sul de Espanha. Durante esta viaje fui fazendo pequenas modificações do aspeto da mota e doutros pouco pormenores, que eu considerava poderem melhora-la. Amortecedores de Ar (Marzocchi), jantes integrais de magnésio, um acento mais comodo e com linhas aerodinâmicas e o mais importante, uma ignição eletrónica, que substituiria os platinados. Assim ficava:

A Honda Gold Wing de 1975 era sem dúvida uma das motos mais bonitas e modernas do mercado!
Só a vendi em 1989, já depois de ter saído do Sudão para a Zambia, pois agora os finais das minhas temporadas de caça, coincidiriam com o Inverno em Portugal e eu não ser do tipo de pessoa de curtir uma mota ao frio e à chuva. Se ainda me resta idade para voltar a comprar outra, agora será uma de Trial.
Antes de voltar à minha vida profissional e por estar a falar das minhas motos, de passo por Espanha, iria experimentar um pare de coisas interessantes; uma montaria na quinta de Cabañeros, convidado pela família Aznar e conviver durante uma semana com verdadeiros “motares” na quinta do Sr. D. Bultó, o criador das motos e marca Bultaco, que nessa época era campeã Mundial de Trial, nas mãos de Martin Lumpkin.


Tive o privilégio de assistir a um treino de Martin Lumpkin para uma das provas do Campeonato Mundial

… E conhecer este bebé; Sete Gibernau, um dos netos de D. Bultó, que em 2004 se consagrava vice-campeão do Mundo de Moto GP

Com o “jerrican”, Manuel Gibernau, pai do Sete e Diretor Comercial da Bultaco, à direita um filho de D. Bultó e ao centro, um dos seus genros.


Cavalinhos que nunca fiz na minha mota, são exercícios obrigatórios nesta quinta
Também nunca tinha experimentado uma Montaria e para esta emprestaram-me uma arma, uma câmara e um abrigo, pois acabadinho de sair de África por primeira vez e de passo para o Sudão, não podia imaginar o que seria o frio que faz em Janeiro, durante uma dessas caçadas, aonde somos colocados num posto por onde passará a caça, que é conduzida por uns secretários (como são denominados) acompanhados por cães treinados para o efeito, e ter que se estar o mais quieto possível e até ao fim de cada jornada, que pode levar horas e acreditem ou não, fui o único que caçou um veado.


À esq. a Sra. Lola Aznar, que em 1963 acompanhava os Marquêses de Villaverde no safari que foi e ainda é tão decomentado e feito em Moçambique e à dir. o Eduardo, um dos seus filhos.
Este modo de caçar tem profundas raízes em Espanha, como em toda a Europa suponho eu e eu não sou ninguém para comentar sobre o seu estilo, só dizer que quem não caça nada e tenha vindo de África, nunca mais se esquece do frio que passará.

Tive a oportunidade de conhecer também o Pedro, um dos seus netos.


Um grupo de Secretários

… E as mulas que nos transportam até aos nossos postos de espera
Os Senhores (caçadores), os Secretários, as mulas e os cães, uma enorme orgânica de caça… e depois o frio!
Agora voltemos ao que começava a ser a minha vida como emigrante, pois mesmo em Angola eu sentia-me como em casa. Afinal tudo era Portugal.
Estávamos em Fevereiro de 1976 e eu seria o único empregado que o meu pai enviava para o Sudão, para aprender o que pudesse e que me ajudaria durante a próxima temporada de 1977, quando ele decidira entrar definitivamente com todos os seus homens, que se fundiriam com os da Angola Safaris, a companhia sua concorrente em Angola, que pertencia ao Hernâni Espinha que, ao contrário do José Simões, preferia operar prematuramente com apenas seis ou oito safaris em 1976, que manter-se inato durante mais essa temporada, pois 1975 não tinha acabado bem para ninguém.
As consequências do golpe dos Cravos era tão desajustado às nossas vidas, que não sobrava tempo para rivalidades, pelo contrário, tínhamo-nos de apoiar uns aos outros e por isso combinaram fundir as suas companhias e assim entrar no Sudão contra tudo e todos que já lá estivessem.
Ainda que eu tenha vivido essa revolução com 20 anos de idade, entre tais caçadas em Angola sem lei, gente refugiada amontoada nas fronteiras das nossas ex-colónias, ou estabelecidos precariamente em países vizinhos e vivido esses primeiros anos duma nova vida num País dos contos do Ali Babá, não consigo nem ninguém, imaginar por aquilo que terão passado esses dois patrões, entre responsabilizarem-se pelos seus empregados (subsistência, hotéis e bilhetes de avião), para os poder reunir novamente no Sudão, o material de campanha que puderam salvar, viajaria de Angola para Walvis Bay (Sudoeste Africano) por terra e daí para Mombasa (Quénia) por mar e depois novamente por terra para o Sudão, passando por vezes sítios sem estradas durante muitos quilómetros. Vender o Sudão tendo em conta os clientes saberem que eles nunca lá tinham estado. Organizar as comidas, combustíveis e sobressalentes dos carros neste País de logística nula, etc., etc..
Essa temporada de caça de 1976 com o Hernâni Espinha seria a maior e mais dura experiência de sobrevivência que eu iria passar, pois todos esses pormenores acima mencionados para se poder operar uma companhia no Sudão, não tinham sido observados por falta de tempo, financiamento, etc..
Numa casa de só dois quartos (sem sala de Jantar) vivíamos 6 pessoas, incluindo o H. Espinha. Sem filtros de água, alguns dos meus colegas apanhariam diarreias que duravam até dez dias e os faziam perder até 5 Kg do seu peso, ao ponto de terem de ser substituídos por outro colega, durante o safari que estaria a guiar. Quando era preciso alugar um carro, nunca estaríamos certos de o poder entregar inteiro e portanto acabando por pagar-lhe arranjos importantes de coisas que realmente não tinham sido partidas por nós.

Antes de passada uma semana da minha chegada ao Sudão e na véspera de um safari que seria para o próprio Hernâni Espinha, este saía inesperadamente do País e assim, eu tive de guiar o safari. Foi-me entregue um Land Rover alugado, que tinha uma folga no volante de quase uma volta completa antes de as rodas começarem a virar e o pedal de acelerador ter de ser pisado até metade do seu curso antes de começar a acelerar.

Este meu inesperado e primeiro safari no Sudão poderia muito bem ser considerado como o primeiro na vida, pois tudo, animais, pessoas e língua eram dos que eu nunca tinha visto ou ouvido falar.Também era o meu primeiro cliente, companhia e colegas empregados, que não fora os do meu pai e contudo nada disso me parecia importante, tão seguro estava eu, de com o que sabia de caça, clientes e companhia, não importava aonde fosse que tivesse de caçar… e não podia estar mais enganado!
Ainda não sabia tantas dessas coisas que o meu pai chamava “… o que não deves fazer” e que elas não têm só que ver com a caça. Tem também a ver com educação, ética, camaradagem e até respeito ao turista e o meu novo colega seria quem me iria dar da pior maneira todas essas lições, tendo conseguido apodrecer este meu safari, que por sinal corria bem.

Este leão caçado pelo Vicente, tinha muito mais qualidade do que se pode apreciar na foto
O Vicente, meu cliente, tinha conseguido caçar um bom Leão, que ainda hoje é o culminar de qualquer safari e foi-lhe mais tarde concedido durante uma convenção em Espanha, o troféu para o melhor Nile Lechwe de 1976, contudo, a gratificação que por norma os caçadores dão aos profissionais era entregues ao meu colega (incluindo roupas), que teve o cuidado de sair da nossa “Lodge” em silêncio, para não me despertar e por isso ter ido ao Hotel sozinho recorre-los e despedir-se deles no aeroporto, conseguindo assim, não só apodrecer o meu safari, como também fazer-me passar por mal criado.
Nenhum outro safari me ensinaria mais “coisas que não devo fazer” do que este.
Tinham acontecido acidentes de percurso e portanto duas multas para pagar. Um grande elefante que tinha sido ferido e não cobrado pelo meu cliente e tinham-se morto três em vez de dois, Lechwe do Nilo. O terceiro morto pelo meu colega, que tendo os mesmos anos que eu de profissional, mas ninguém saber e ser uns 10 anos mais velho de idade, fazendo uso da sua idade e do seu segredo cada vez que lhe convinha, como neste caso, trespassava a responsabilidade do terceiro Lechwe, que ele mesmo tinha morto, para mim e o meu cliente.
Hoje olhando para trás, só explico como tudo isto se passou, porque eu com 21 anos era um santo inocente.Dentro da minha educação era inconcebível haver um caçador profissional que premeditadamente arruinasse o safari dum colega, para o dele tornar-se melhor, mas muito menos se esse colega fosse o filho do patrão. Só me restava aprender as lições, que o fiz tão bem, que durante os próximos 10 anos mais que iriamos continuar a ser colegas, nunca mais pode ganhar-me outra.
Entre esta temporada e a de 1977, José Simões regressava ao Rundo para exportar todos os troféus, incluindo os de marfim, dos seus clientes e os da Angola Safaris de 1975, que ele mesmo tinha conseguido salvar, contra a forte oposição do Hernâni Espinha, que não aceitava esse tipo de obrigações para com os seus clientes, tendo em conta Angola encontrar-se em estado de guerra. Esta diferença degradaria fatalmente a unificação das suas respetivas companhias, maneira como tinham os dois planeado entrar no Sudão.
O Hernâni decidiu vender todo seu material que já se encontrava no País e juntava-se ao grupo da “United Safaris”, composta por um grupo de caçadores também Moçambicanos, que tinham estado antes a operar em Angola baixo sua bandeira.
Ao meu pai só lhe restava conseguir transportar a tempo o seu material para o Sudão e operar nas áreas que o Espinha tinha estado a usar, pois foi ele quem tinha pago ao Governo Sudanês o montante exigido por eles, pelos acampamentos de Gemmeiza, (na savana) e Sakuré (na floresta), que não só eram áreas governamentais, mas efetivamente as melhores do País.

O João Cardoso, Manuel Figueira, Carlos Faria e eu, foi o grupo que o meu pai mandava a Mombaça despachar as três viaturas que tinham sido enviadas de Walvis Bay e aí comprar o material essencial para os primeiros safaris da temporada de 1977 no Sudão, que seria transportado por estradas e caminhos, que às vezes não existiam.


Atascado por ser muito comprido


Partido por estar muito pesado (6 pernos da roda cortados)
A dada altura, o meu carro ficava com os seis pernos da roda cortados pelo excesso de peso da comida em lata que transportava e só havia uma maneira de resolver o problema, que era fazer tudo que levávamos chegar a Juba. O Unimog iria com o Carlos Faria e João Cardoso descarregar o que trazia e votaria para vir buscar o que o meu carro carregava e isso levaria com sorte três dias, pois Juba ainda estava a mais de 600 Km.

Visitados por gente que nunca se tinha visto ao espelho
Eu e o Manuel Figueira ficamos a aguardar, nesse sítio sem sombra e aonde nos parecia que não existia vivalma. No segundo dia, aparecidas do nada, duas mulheres aproximaram-se para nos pedir ajuda. Uma delas tinha uma infeção nos dentes e pedia que a tratássemos.
No idioma internacional dos gestos, dei-lhe uns antibióticos e tentei explicar-lhe que tomaria um cada vez que o Sol nascesse, estivesse a pique e se pusesse. Espero que não a tenha morto! Depois viram-nos comer umas sardinhas, das que lhes oferecemos também, mas que antes de as comer, tocaram-lhes várias vezes com os dedos, como se estivessem a decifrar o que eram, pois peixe deve de ser com certeza coisas que elas nunca tinham visto, assim como os espelhos do carro, aonde como boas mulheres se divertiram bastante.
Uma vez comidas as sardinhas, beberam o óleo todo que ficava na lata, que finalmente também a guardaram, como se já soubessem para o que lhes serviria.
Ao romper da manhã do quarto dia, aparecia-nos o Unimog e como não tinha encontrado pernos em Juba, deixamos o meu carro à guarda de um empregado que vinha com o Carlos e seguíamos para Juba. Isto custar-nos-ia outros 1000 Km só por causa dos 6 pernos da roda.



Possivelmente camelos selvagens, ou dessa gente que aparece do nada...
Ainda não tinha tido oportunidade de contar a minha história a alguém e já tinha outra… a nova “Lodge” aonde iríamos viver. Esta com sala de estar, quatro quartos, cozinha e um quarto de banho; …. que luxo!


O nosso almoço fugindo do cozinheiro

A cozinha …

Menos mal que os quartos eram o melhor da Lodge; Um verdadeiro luxo!

... E os cuidados na preservação da comida.

... Ah! E a casa de banho. A garrafa era para o que eles pensavam ser necessário. Nesse Mundo ninguém usa papel.
Quando tirei estas fotos adivinhava que passados 30 anos elas se pareceriam como outra coisa, mas éramos nós, os que os meus amigos que viviam os anos 70 em Portugal, depois da famosa revolução dos cravos, queriam estar na nossa pele.
Voltando ao nosso percalço sofrido na viajem de Mombaça a Juba, tinha-nos deixado sem o tempo mínimo necessário para poder receber condignamente os primeiros safaris da temporada… era preciso um milagre!... e acontecia, ainda que fosse um desses males, que vêm por bem.
Quase sem aviso, o Governo do Sudão cerrava as fronteiras do País por um mês, devido a um foco de Febre do Macaco Verde (hoje ao que se chama Ébola), num dos seus hospitais do Sudeste do País (Nzara), localizado a tão só 15 Km do nosso acampamento de Sakuré na floresta. Com isto, quando as fronteiras foram reabertas nós já estávamos preparados para a temporada, pois todos os outros acampamentos que tínhamos montado estavam como mínimo a 500 Km desse foco.
Durante esta primeira época de caça, cada um dos profissionais viajava e caçava com cada um dos seus clientes em todos os acampamentos e tipos de terreno; Savana, floresta e pântano, o que se tornava uma tortura não só para nós e clientes, como também para os veículos, que mesmo sendo novos não suportavam o desgaste causado por aquelas estradas, nas quais se faziam 500Km entre cada um dos acampamentos em 17 horas como mínimo.
O meu primeiro cliente de 1977 era um chinês-americano, que gostava mais de acompanhar o seu irmão nos seus safaris, do que propriamente bater recordes na caça e como muitas vezes acontece, estes são os caçadores que realmente têm mais sorte, a única coisa imprescindível no final de qualquer caçada.
Caçava entre outros bons troféus, um bonito Leão, o recorde do Mundo da gazela de Mongala, o Chango de Sudan Bohor número dois e um bonito Búfalo do Nilo…


A Mongala Gazelle nº1 do Harold Choe

Um bom troféu de Búfalo do Nilo

Bohor Reedbuck nº2

… E o seu elefante com 25 Kg por colmilho. Um safari respeitável

… E na floresta um elefante bem representativo.
O meu pai, que era agora a quem eu tinha que agradar, estava satisfeito com os resultados e ainda mais importante era eu mesmo estar convencido que estava a sair-me bem. Afinal de contas, entre os quatro safaris que até aqui tinha feito, tinha consigo satisfazer os meus clientes, com a exceção do grande elefante que tinha perdido na época anterior e que o meu cliente preferia culpar-me e só porque eu lhe tinha dado essa confiança, porque era mais educadinho do que sou hoje.
Fui educado a não atirar aos animais que eles veem caçar e ainda estou nessa, apesar das críticas de alguns colegas convictos, que um bom caçador de elefantes não se sujeita às fraquezas dos seus clientes. Eu prefiro pensar, que eles é que não devem de vir estriar África em caçadas ao elefante na floresta, ou até ao Búfalo, que hoje também está muito na moda, apresentarem-se a África num mini safari de Búfalo.
Entre toda a caça fantástica que tem o Sudão, havia duas estrelas para atingir; o grande Elefante e o Bongo, este último considerado um autêntico fantasma.
O meu segundo safari desse ano seria o primeiro passo dum 80% da minha por vir vida de caça no Sudão. Alguém tinha de conseguir caçar mais bongos do que falhar e eu receberia o casal Wilson, que era o Presidente do “Shikari Safari Club” para caçar dois e não um. “Shikari Safari Club” era e possivelmente ainda é o clube de caça americano mais seletivo que existiu, com apenas 300 membros e aonde só o caçador guia português José Afonso Ruiz conseguiu ser um deles.
O casal Wilson só estava interessado em caçar um Búfalo do Nilo, aparte dos seus dois bongos e não podiam ter saído mais satisfeitos com o resultado. Caçávamos um troféu excecional do Búfalo e por incrível que lhes parecesse, dois desses fantasmas da floresta. A Joyce seria a segunda senhora neste Mundo da caça, que tinha conseguido o seu Bongo.



Este fantástico doblete quebrava todo o mito que se tinha criado à volta da caça destes fantasmas e eu seria o caçador guia de preferência de tantos outros grandes nomes de caçadores de troféus. A partir da segunda temporada de caça no Sudão e depois do meu pai ter decidido criar grupos dos seus guias profissionais, que atuariam permanentemente no mesmo acampamento ao que foram destinados, punha-me a mim estacionado em Sakuré, que pode muito bem ser considerado, o melhor sítio de África para a caça do Bongo, devido às condições únicas dessa área, com vários abertos entre as florestas, que permitem-nos fazer umas espécies de batidas, do género das montarias espanholas, mas claro, com muito menos secretários e sem grandes ruídos, como são feitas nas montarias, entre cornetas e cães a ladrar.


Duas pré-fabricadas usadas pelos profissionais


Por conveniências da organização, demanda do mercado da caça dos anos 70 e 80 e alguma do meu próprio pai, que naturalmente preferiria ter o seu filho a caçar bongos que elefantes na floresta, eu posso modestamente dizer que me tornei num especialista da caça a esses fantasmas, dos quais, só este acampamento de Sakuré produzia entre 20 a 25 por temporada, dos quais 10/15 teriam sido caçados comigo.
Havia outras condições, que fariam esta área não só produzir essas quantidades, mas também a sua alta qualidade dos troféus obtidos, pois desses 25 bongos produzidos anualmente, apenas um pare deles mediriam umas 25/26” pulgadas de cornamenta, considerando que os mínimos de pulgadas exigidas para que essa espécie de animal seja considerado como um recorde de classe, são de 27 pulgadas. Entre eles, mais de uma dúzia alcançavam as 30” ou mais, tendo acontecido, que o nosso colega Luís Pedro de Sá e Melo tenha conseguido o Recorde do Mundo e eu ter caçado quatro dos primeiros dez melhores no livro de recordes do “Safari Club International”.
Estes são alguns dos troféus aí obtidos, que se encontram registados entre os 10 melhores do Mundo:

Luís Pedro Sá e Melo com seu Bongo nº1 em Sakuré

Tom Brakefield com seu "Unicorne" de 32" (Sakuré)

O Bongo do Bob foi registado nº7, mas era efetivamente o nº2. Coisas que às vezes acontecem

O Hervé com um destes fantasmas gigantes de 33" caçado em Sakuré

Outro troféu excecional de 35" caçado por Ted Razook em Sakuré
Nesta altura os grandes colecionadores de troféus escreviam mais artigos nas revistas de caça sobre animais raros do que até mesmo sobre o elefante e acontecia que até Sitatunga de Floresta existia nesta área, que era uma espécie ainda mais rara que o Bongo.
Um dia o meu pai pediu-me por rádio que prestasse atenção ao passar certo tipo de depressões no terreno, que havia nesta área, para tentar encontrar rastos de Sitatunga que um livro velho, que um árabe lhe tinha oferecido em Khartoum e que era uma compilação encadernada de vários cadernos semanais escrito durante a administração inglesa, que mencionava um certo tipo de Sitatunga existente ao longo do rio Yubo, aonde estava localizado o acampamento de Sakuré.
Recordo-me de um dos seus profissionais que estava comigo durante essa emissão de rádio fazer a seguinte observação: “ o teu velho é demais, não lhe basta com elefante, bongo, Yellow Backed Duiker e Giant forest Hog, agora também quer Sitatunga por aqui!”. Uns dias mais tarde novamente ao rádio, informava-me que viria pessoalmente caçar no meu acampamento com o Sr. Alfredo Mata (irmão do cliente que perdeu a filha em Moçambique, num acidente de caça) e que se eu encontrasse algum rasto, por pequeno que fosse, que lhe preparasse por ali uma plataforma numa árvore.
Efetivamente encontrava poucos rastos de Sitatunga e preparei-lhe a plataforma.
Ele chegou com o casal Mata, que vinha acompanhado doutro casal que caçaria comigo e ambos convencidos por ele (meu pai) que haveria grandes possibilidades de caçar o Bongo e a Sitatunga, pois o Duri já localizou aonde as há e com certeza lhes tinha também mostrado o livro raro que adquiriu e que as descrevia como um tipo de Sitatunga diferente às que até ali se conheciam.
Começavam os safaris e ele depois de caçar o seu Bongo, saía do acampamento pela Sitatunga, depois de umas reuniões com a sua equipa, para lhes explicar que iriam por um animal de cornos parecido ao Bongo, mas de cor diferente, o que não causou nenhum escândalo, pois um dos que levava com ele na equipa (o Saratiel), tinha sido um dos que comigo tinham detetado as pegadas e construído a plataforma.

José Simões e seu excecional Bongo de 31"
Chegando bem cedo ao sítio aonde estaria a plataforma, baixaram-se do carro dispostos a andar uns 200 metros até ela e a Sra. Sorte apareceu-lhes, abraçou-os e beijou-os. Ainda antes de terem chegado à plataforma aparecia-lhes uma respeitável Sitatunga, que eles a conseguiram abater. Era a primeira Sitatunga caçada na companhia e ele tinha talvez ganho mais mérito, do que aquele que eu tinha conseguido no meu primeiro safari de bongo com o casal Wilson.
Quando fui posto à prova com bongos, eu conseguia no mesmo safari caçar o meu primeiro e segundo bongo, ele acabava de caçar o seu primeiro Bongo e a primeira Sitatunga de Floresta da Companhia.
Isto contado hoje pode não parecer nada de especial, pois como estou convicto, os caçadores novos vão improvisando os seus conhecimentos e melhorando as suas táticas de caça, mas há que colocarmo-nos naquele tempo, quando ainda ninguém no Sudão, incluindo vários profissionais filhos da Terra, nem sequer sonhava que as havia.
Bom, havia tantas que no mesmo safari, o meu cliente também teve a oportunidade de ter falhado a outra.
Nessa altura, eu já me tinha especializado em batidas para Bongos e depois de os nossos empregados locais entenderem que dávamos tanto valor ou mais à Sitatunga, como ao Bongo, só foi uma questão de porem alguém a detetar rastos, enquanto caçávamos o Bongo pelas manhãs e aonde esses rastos desapareciam por entre o caniçal do diminuto rio Yubo, à tarde iríamos fazer uma batida à Sitatunga que tinha sido localizada. Por vezes esse trabalho seria feito pelos miúdos da povoação vizinha, com quem eu tinha feito um acordo de lhes pagar no caso de o meu cliente fazer um disparo, sinal de que tinha aceitado a qualidade do troféu, para evitar que eles nos levassem a fazer batidas a fêmeas.
Um pare de anos mais tarde, eu viria a caçar com o McElroy, (fundador e Presidente do Safari Club International) que depois de conseguir a sua, registava-a no livro de recordes do mesmo clube, como a Sitatunga de Floresta nº1.
Como antes do McElroy, eu já tinha caçado este tipo de Sitatunga com outros americanos e o Clube edita de dois em dois anos um novo livro de recordes, na edição seguinte apareceria o meu nome novamente ligado ao novo recorde do Mundo, através da Sitatunga que o Phillip Arciero tinha caçado comigo e depois de dois anos mais, batia pela terceira vez esse recorde através da Sitatunga caçada com Reggie Anderson.

O meu irmão Manuel e eu com a Sitatunga nº1 de Reggie Anderson
… E já que estamos a falar do número de vezes que eu, beneficiando da fantástica área deste acampamento, batia recordes do Mundo, quero mencionar que há gente que não gosta de registar as suas façanhas e este é o caso do Prof. Dr. J. Mª Gil Vernete, que foi quem efetivamente caçou a maior Sitatunga da nossa Companhia e nem sequer em fotos de outros Países, eu tenha ainda visto alguma parecida.

Outro dia memorável deste acampamento, foi quando o meu colega Francisco Coimbra chegava ao fim da manhã ao acampamento com um Bongo excecional e pela tarde, por haver duas Sitatungas diferentes localizadas, o meu cliente e o dele realizavam um doblete. Em conclusão havia nesse dia para o peleiro trabalhar, as peles de um Bongo e duas Sitatungas.
Duvido que esta façanha tenha alguma vez sido igualada por outra companhia, aonde quer que se cassem estas duas espécies de animais.
Não será nenhum exagero, ou falta de modéstia, dizer que foi durante o tempo que os portugueses de Moçambique e Angola, que estiveram onze anos a caçar no Sudão, quem acabou com o mito do fantasma da floresta e demonstraram ao Mundo a existência da nova espécie de Sitatunga, que hoje, até o livro de recordes da Rowland Ward a reconhece, depois de tantos anos passados, desde os escritos de quem editava esses semanários de caça e pesca do Sudão.
Ainda hoje são considerados com certeza animais raros e difíceis de se caçarem, mas já não são mitos e quem compra um safari para os caçar terá, pelo menos, um 80% de possibilidades de o fazer, com tudo o que já se sabe dos seus hábitos e habitats.
Voltando à descoberta da área de Sakuré; Não eram só o Bongo e a Sitatunga que a faziam especial, pois nessa altura dos grandes colecionadores de troféus procurarem por espécies raras e difíceis, estariam nessas listas o elusivo Yellow Backed Duiker e o Giant Forest Hog, que os havia também em grandes quantidades.


…. E o que seria de Sakuré sem o grande Elefante? Bom, foi aí que eu perdi o maior que vi na minha vida. Quantas libras teriam o elefante do Vicente? Nunca saberei, pois não se pode calcular o peso das pontas de um elefante avaliando somente o comprimento, pois um dos maiores elefantes do Mundo, com 151/149 lbs, foi caçado uns anos depois pelo Carlos Faria e Elsa Talayero e esse peso não correspondia ao relativamente curto comprimento dos seus colmilhos, para tal peso.


... Recorde feminino nº1 e 6º Mundial
Note-se a grossura dos colmilhos comparados à mão da Sra. Talaero. Com sorte, mas também porque os havia, o seu marido caçando com o António Ferreira obteria outro monstro de 98/96 lbs.

O Dr. Talaero e António Ferreira com o deles de 98/96 lbs.
Isto não são contos dos princípios do século passado, são sim dos finais dele e não tem que ver só com sorte, pois Sakuré não ficava por aqui. Caçavam-se todos os anos um bom número de elefantes respeitáveis como se pode avaliar na seguinte foto;

Aqui há vários de 80 lbs +
A três horas para Norte de Sakuré, noutro acampamento chamado Bangaziquina, o Brunno acompanhado pelo nosso colega Francisco Coimbra enviavam cumprimentos a Sakuré com este também de 98 lbs;

O Chico Coimbra não só foi um dos grandes Caçador Guia que tive o privilégio de caçar vários “mano a mano” com ele, mas um dos melhores colegas de profissão que alguém possa desejar. Espero que aonde esteja, deixem-no caçar…
Também quero mencionar outro que foi tão bom Caçador Guia como colega, sem ofender o desdenhar os outros que não menciono aqui, pois todos eles à sua maneira foram os melhores que conheci… o meu colega e amigo Zeca Saraiva de Carvalho, que sempre estava disposto a qualquer hora que fosse, desenrascar o colega, que tivesse a sorte de caçar ao seu lado, quer fosse com problemas de caça, mecânicos, ou até mesmo pessoais.
Ambos com um humor fantástico, ainda que ao Chico, se teria que lhe fazer beber um copo a mais, para ele começar a gozar.
Voltando a mim que me tinha tornado num especialista em batidas, com tanto treinar com Bongos e Sitatungas e refinado pelas críticas sobre tais métodos, vindas de alguns colegas que nunca souberam, que eu não fazia os ruídos, que os nossos mesmos pisteiros faziam nas que eles praticavam, quando os seus safaris estavam quase a terminar sem sucesso, decidi fazer uma a um grupo de Elefantes que há já três dias vinham a estragar-me o sono.
Convidei o meu primo Orlando que se encontrava em safari com o amigo do meu cliente e nesse dia depois duma autêntica aventura, fazíamos um doblete. O do Orlando era o maior com 75 lbs.

Um doblete caçado por Andy e Jacob, comigo e Orlando Cardoso
Foi tal a largada de adrenalina, que cada um de nós (4) contou o número de tiros diferentemente, que entre todos tínhamos efetuado.

Do meu lado ninguém foi atropelado pela manada que vinha a fugir do Orlando, porque o Andy fez um tiro milagroso de cérebro ao elefante grande que vinha à frente, o que obrigou os outros todos a circunda-lo e aonde nós nos refugiámos antes de eles nos poderem atropelar.
Assim tinha-se produzido mais um doblete neste acampamento que já se tinha habituado a estas extravagâncias e que hoje parece-nos histórias de há cem anos atrás, mas não são e eu estou convicto que sítios como Sakuré no Sudão, ainda há montões, só que algures no tempo, passamos a ser governados pela mediocridade, para não lhes chamar nomes mais feios.
Gente que para reinar tem de destruir estruturas e hierarquias que eram as colunas de tudo que aqui tenho contado, como paraísos perdidos.Não estão perdidos; Ainda os há mas não nos deixam ver, ou disfrutar, pois aprendeu-se a fazer dinheiro com desgraças, medos e mentiras.Destroem-se países inteiros para depois se fazer dinheiro a reconstrui-los e por aí adiante.
Bem, voltemos ao mato do Sudão. Gemmeiza era o nome do nosso acampamento principal, situado na margem Oeste do Faraónico Rio Nilo, o maior do Mundo. A área, uma savana composta de uma faixa de com apenas 12 Km de pequenas palmeiras e árvores, para depois se estender como um deserto de barro negro até à Etiópia, aonde se podia caçar umas 21 espécies de animais diferentes. Elefante, Leão, Leopardo, Búfalo, Roan, Lelwel Hartebeest, Waterbuck, Bushbuck, White eared Kob, Tiang, Mongala Gazelle, Bohor Reedbuck, Common Duiker, Crocodilo, Hipo, Common Eland, Hiena, Jackal, Girafa, Zebra, e Facocero.

O Comedor com Sala de estar e Jantar com ar acondicionado

Produto de uma manhã de caça em Gemmeiza


O fabuloso Rio Nilo e suas típicas embarcações que passavam-nos justo atrás de alguns rondáveis

O Dinka; Orgulhoso e nu


As tribos de gente predominante desta área são os Dinka e Mondáris. Gente alta, dedicados ao gado, caça e pesca. Quando digo caça é caça, pois o Governo Sudanês autorizava a caça a esta gente, sempre que não fossem usadas armas de fogo. Praticavam um ritual anual durante o mês de Dezembro, no qual participariam algumas dezenas deles e armados só com lanças, chegavam a caçar até 20 elefantes durante três ou quatro dias, enfrentando-se aos elefantes neste terreno, aonde há muito pouca proteção em caso de cargas. Quando isso acontecia, em vez de fugirem, atiravam as suas lanças quase ao mesmo tempo, o que quase sempre desencorajava o animal de continuar e quando isso não acontecia, era horroroso ver como alguns ficavam, ou até morriam.
Nesta área, por ser de savana e com muito mais espécies de animais para caçar que Sakuré, também aconteciam estravagâncias, que hoje parece-se estarmos a falar da caça de há 100 anos atrás, pois caçávamos por exemplo até duas dezenas de Leões anualmente, simplesmente encontrados, pois com tanta caça que havia seria um desperdiçar de carne e tempo, colocar-lhe carnadas.
Gazelas e Reedbuck podiam-se ver dezenas, senão centenas, a cada minuto do dia, de tal modo, que muitos Reedbuck chegavam a morrer de sede com o Nilo ali tão perto, num esforço de defesa do domínio territorial.
Nessa altura chegámos a vender safaris de 10 dias para Elefante, Leão e Búfalo e acreditem ou não, muitíssimos clientes caçavam os três e de boa qualidade.
Neste acampamento de 10 rondáveis, José Simões tinha duas e às vezes até três senhoras de alguns profissionais, para o cuidar.
A Boneca, senhora do caçador guia Artur Paulo de Carvalho (o Turra como todos o conheciam), a Henriqueta, senhora do João Cardoso e durante uma parte do ano, a Faneca Pardal. Aqui também estava estabelecido como caçador guia permanente, o Vergílio Garcia, caçador guia de primeira categoria. Nas fotos seguintes, alguns dos troféus de Gemmeiza:











